Após alguns episódios onde pude
constatar a realidade escondida no mundo que vivemos, já com a cabeça no lugar
e pensando o que existia que ainda não tinha visto, caminhando por Campo Grande
dei de encontro com um escorpião, pequeno, porém me causou um certo medo,
desviei do animal e continuei meu caminho.
Algumas quadras à frente notei
outro escorpião idêntico andando ao meu lado e novamente continuei andando para
longe dele.
Já ciente dos fatos sobrenaturais
que andam cruzando meu caminho, tentei reparar alguma coisa de diferente
naquele animal e o que percebi foi que ele me seguia, por onde eu ia, ele
estava vindo atrás.
Fiquei atento à qualquer
anormalidade ou ser que cruzasse meu caminho e o que acontece em seguida é
justamente isso, um homem de aproximadamente cinqüenta anos, com barbas curtas
e usando um manto de cor vinho sobre a roupa atravessa meu caminho, para à
minha frente e estica sua mão em sinal de pare.
Parei, fiquei olhando diretamente
para aquele homem e reparei que ele tinha muitas cicatrizes na face e unhas
compridas e pontudas. Com certeza era mais um caso sobrenatural que me rodeava,
como um aviso ou chamado.
- Você é o Gabriel? – Pergunta o homem enquanto o escorpião
sobe pelas suas pernas e para em seu braço estendido.
- Sim, sou eu mesmo. Quem é o senhor?
- Meu nome não lhe interessa, apenas me chame de Lacrau. Sou
de um grupo de dominadores e estamos interessados em saber mais sobre você, vim
buscá-lo para podermos conversar. – O homem fala comigo enquanto reparo seu
rosto marcado de cicatrizes nas bochechas, testa e sobre o olho esquerdo.
- Desculpe, mas eu não estou interessado. – Digo isso dando
passos leves para trás.
- Não estou pedindo sua permissão, disse que vim buscá-lo e
não convidá-lo. Me acompanhe por favor. - Diante de tal delicadeza, fui
aterrorizado e já imaginando minha morte sobrenatural.
Andamos por um longo caminho nas
ruas da cidade e chegamos a um hotel três estrelas de nome Alquimia. Fomos
recebidos como se aquele homem fosse um rei e subimos direto para o 402, o segundo
dos dois únicos quartos que haviam no quarto andar.
Ao entrarmos no quarto não pude
deixar de notar que havia um poleiro para uma ave de grande porte e uma casa
para cachorro com a inscrição “Fenris” sobre a portinhola.
- Desculpe senhor, mas o que fazemos aqui?
- Estamos aguardando os outros membros deste grupo. – Fala o
homem com certa rispidez.
Fico quieto e me sento em uma
poltrona inclinável muito confortável que o Lacrau me ofereceu. Pensando em
como será que morrerei, me passa pela cabeça fugir, matar o escorpião ou tentar
algo suicida, mas nesse momento um latido de cachorro me assusta e ao olhar
para trás surge ou homem, desta vez acompanhado por um cão da raça Dobermam.
- Gabriel, nem pense em fazer isso, aquele escorpião é um
animal mágico, onde ele morre, ele ressurge instantaneamente. – Uma voz rouca,
porém com certo tom de ironia.
- Desc... – O homem me interrompe.
- Não se preocupe, nunca ouviu dizer que os cães sentem o
medo e outras emoções das pessoas? Na verdade eles tem o dom de entender os
pensamentos, tal beneficio é muito útil para um dominador, assim como o Lacrau
que possui um veneno mortal, basta uma espetada com sua unha e uma dor
dilacerante toma conta de qualquer um. – Percebo que este é realmente mais
irônico que o Lacrau e neste momento uma pergunta que sairia de minha boca é
interrompida e ele continua. – Meu nome, já que iria perguntar, é Canis e
estava ansioso por conhecê-lo.
- Desculpe-me a demora – Outra voz, agora totalmente
feminina e suave.
- Não se preocupe Heliaca, estávamos apenas nos
apresentando. – Responde Lacrau.
Quando olho para trás vejo uma
mulher linda, de corpo escultural e estatura baixa, mas um detalhe me intrigou,
seus olhos eram completamente brancos, imaginei que ela fosse cega, pois se
apoiava nas paredes enquanto andava.
- Onde está a Royal? – Pergunta Canis para Heliaca.
- Tivemos um problema de percurso e isso que me atrasou,
logo ela estará aqui novinha em folha, mas me consumiu um pouco de energia. Me
leve até minha poltrona, por favor, Canis. – Antes mesmo de Heliaca terminar de
falar Canis já estava encaminhando ela para a poltrona.
Os três se sentaram diante de mim
e Lacrau começou a falar, mas sem concluir a primeira frase uma águia entra
pela janela e pousa no poleiro, após isso ficou me olhando durante toda a
conversa.
- Somos um grupo restrito, apenas três membros, éramos
quatro, porem perdemos um companheiro em combate contra os “mestiços”. Heliaca
se tornou uma dominadora da águia, seus olhos foram queimados pelo forte sol
que enfrentou durante uma passagem pelo deserto e foi salva por sua companheira
Royal. – Fala apontando para a águia no poleiro. – Com isso ela adquiriu uma
ligação mágica com seu animal e diante de sua cegueira, seus olhos são os olhos
da Royal.
- Eu... – Começa Canis –... Fui atacado por um
“mestiço-gato”, durante a luta, ainda desconhecendo do sobrenatural, fui
defendido por Fenris, esse cachorrinho aqui. Agora temos nossa ligação mental,
tudo que ele sente, eu sinto.
- Já Lacrau... – Heliaca toma a frente – ... Tornou-se um
dominador do escorpião quando, em uma floresta, foi picado por um escorpião e
morreu, a única coisa que se lembra é de ter sentido sua vida se esvair de seu
corpo, porém acordou dois dias depois no mesmo lugar que caiu morto, com seu
amigo Telson andando sobre sua barriga. Suas unhas estavam grandes e pontudas,
mas só descobriu o que realmente tinha acontecido quando, infelizmente, matou
sua esposa envenenada e ainda teve que assisti-la sendo torturada pela dor que
o veneno causa, mas isso também lhe mostrou outra coisa, ele é incapaz de
sentir remorso ou culpa, como se sua alma tivesse ficado na floresta.
- Ok pessoal, então quer dizer que nesse mundo sobrenatural
que eu até então desconhecia, existem os inimigos e vocês são os bonzinhos?
- “Bonzinhos” é relativo. Apenas não permitimos que o
sobrenatural se junte ao natural, tentamos evitar que mais pessoas despertem,
pois a mente humana só pensa no caos e no poder, o que seria de um homem
violento e com tendências psicopatas se ele conhecer um vampiro? Irá querer
logo se tornar um também, o que não é difícil. Por isso tentamos evitar. –
Explica Heliaca.
- Beleza, entendido, mas agora me digam, por qual motivo
queriam me conhecer?
Todos se olham, como se
decidissem quem começaria a falar, quando Canis toma a frente.
- Bom Gabriel, nós te procuramos muito, não sabíamos onde
você morava, até descobrirmos que ia muito para a cidade de Miranda por ter
parentes lá, então através de informantes consegui descobrir que morava em
Campo Grande. Nós três somos nômades, não temos casa, apenas migramos de cidade
em cidade atrás de manter oculto os segredos guardados nas sombras do mundo.
Nas nossas caminhadas descobrimos um garoto, você, que tinha passado por dois
eventos que raramente as pessoas ficam vivas para contar e você conseguiu essa
façanha as duas vezes. Nós queremos duas coisas com você, a primeira é mantê-lo
em proteção enquanto é treinado e a segunda é te ensinar muito mais sobre esse
mundo sobrenatural, pois precisamos de um guardião nessa região.
- A cidade de Miranda está evoluindo muito no sentido
sobrenatural, há muitos seres vivendo naquela região e ao seu redor, graças ao
Pantanal. Precisamos que você, como interessado em manter a cidade de pé e já
desperto, mantenha-se de olhos nela e cuide para que nenhum ser rasgue o véu
entre os mundos e apareça em público. – Completa Lacrau.
Canis se levanta, para na minha
frente e acena para que eu levante. O segui até o corredor do 4ª andar e ele
então abriu a porta do quarto 401 e me disse para entrar, Fenris estava ao meu
lado me acompanhando e eu logicamente tentando me concentrar nos meus
pensamentos, para não deixar que ele leia nada.
Ao passar pela porta me deparo
com uma sala quase vazia, com apenas um baú de um metro de altura decorando
aquele cômodo sem nenhum móvel ou carpete. Canis vai até o baú e diz para eu
abri-lo, pois teria uma surpresa para mim lá dentro.
Fui calmamente, peguei uma chave
que estava na mão já estendida de Canis, coloquei a chave na tranca do baú e
girei. Um barulho de mecanismos e engrenagens começou e a tampa do baú foi se
abrindo automaticamente, coloquei a cabeça para dentro e quando me dou conta
Canis e os outros dois dominadores me jogam para dentro do baú e o fecham.
Suportei alguns minutos, mas ali
trancado o ar começa a ficar pesado, o oxigênio acabando e sinto meus olhos
pesados e minhas pálpebras vão se fechando, logo já não sinto mais nada. Estou
morrendo!
Malditos dominadores, me
enganaram e não posso fazer nada. O que queriam comigo era me matar, porque não
fizeram logo com o veneno do Lacrau?
Sinto meus batimentos caindo e...
... logo perco a consciência.
Estou morto!
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